Verificamos que metade da área (peso) é ocupada por 60% de bois magros, enquanto a outra metade é ocupada por 40 % de bois gordos.
Se o peso do rebanho cresce exponencialmente a uma taxa de 30% (fator 1.3), todo ano é abatido o correspondente a 30 % do peso total do rebanho (30 % de 2000 milhões de arrobas), ou seja, 600 milhões arrobas, que corresponde ao abate de 40 milhões de bois acima de 15 arrobas.
Se tivéssemos utilizado 10 períodos de seis meses, o resultado seria mais preciso. A taxa de crescimento neste caso seria 15 % (fator 1.15) em cada seis meses.
Outra explicação:
Suponhamos que todos os anos sejam abatidos 40 milhões de cabeças de bois de 16 arrobas em média, entre 14 e 18 arrobas. Suponhamos que o rebanho seja distribuído uniformemente nas diversas faixas de 40 milhões de cabeças (cinco faixas de 40 milhões). Para manter a mesma pressão sobre o solo de 10 arrobas por hectare estes bois ocuparão a área de:
40 x 16 / 10 = 64 milhões de hectares
Para manter os 40 milhões de cabeça anteriores entre 10 e 14 arrobas seria ocupada a área adicional de:
40 x 12 / 10 = 48 milhões de hectares. Ou seja, para manter 80 milhões de cabeças com peso acima de 10 arrobas (40 %), é ocupada a área de 112 milhões de hectares (56 %), conclusão: mais da metade dos 200 milhões de hectares disponíveis é ocupada com bois pesando acima de 10 arrobas e menos que a outra metade é ocupada com bois pesando até 10 arrobas. Resumindo:
--50 % da área total para cria de garrotes até 10 arrobas e,
--50 % da área total para engorda de bois pesando acima de 10 arrobas. 64 milhões de hectares poderiam ser liberados facilmente para atividades mais eficientes, com plantio de grãos (eufemisticamente chamados de alimentos pelos países industrializados e emergentes); produção de cana para produzir combustível e açúcar; plantações de florestas artificiais cultivadas para produção de papel e celulose; idem para produzir aço de qualidade; idem para produção de combustíveis líquidos, etc. Todas são alternativas imensamente mais importantes para o país e para o mundo todo, do que a atividade predatória de engorda extensiva de bois. Esta foi uma atividade permitida nos anos de fartura de terras disponíveis de fronteiras agrícolas.
Perguntamos: porque o confinamento não acontece no Brasil e em alguns outros países? Algumas explicações plausíveis:
Não existem mercados consistentes para a carne de boi confinado. Suscita muitas desconfianças sanitárias por parte dos países importadores (mal da Vaca louca, brucelose, aftosa, etc).
Países emergentes preferem agregar valor em seus próprios territórios mesmo com importação de grãos mais caros, ocasionada pelo transporte excessivo de mercadorias baratas (1 r$ / Kg de soja e 60 centavos por Kg de milho). Mão de obra desocupada torna o custo da agregação praticamente zero nos países populosos.
Produtores brasileiros recebem 70 centavos por Kg de soja e 35 centavos por Kg de milho.
Alguns países importam a carne pronta do Brasil em razão da sua qualidade (carne verde).O custo para o país é a perda de patrimônio.
Do ponto de vista sanitário é mais seguro para os importadores importar grãos do que carne pronta congelada de boi confinado.
A produção de alimentos protéicos é tão restritiva que provoca aumentos consideráveis na procura por grãos, antes da procura por carne.
Os confinadores prováveis de bois fazem as contas e percebem claramente que não compensa a empreitada. Vejamos, se comprar a ração e o volumoso, mesmo desprezando o custo de capital, teríamos o custo diário para um boi confinado em reais:
6 kg por dia de ração à 0.50 reais por kg........ 3.00
20 kg de volumoso à 0.05 reais por kg............ 1.00
Mão de obra e outros serviços.........................0.50
Total sem serviços......................................... .4.50
Durante 100 dias seriam gastos 400 reais.
Ora, este valor é superior ao valor de quatro arrobas ganhas com confinamento. Como dizem os boiadeiros: o confinador sai comprando as arrobas ganhas. Eles têm razão em afirmar que não dá lucro.
A única forma viável de confinamento acontece em unidades em que diversas atividades complementares estejam presentes, cada uma produzindo subprodutos que seriam insumos de outras. Por exemplo, plantação de grãos e alimentos junto com confinamento de bois associados a uma usina de álcool e um frigorífico para abate.
Se o Brasil, um país periférico, tem poucas chances de influir no cenário internacional, tem opções, entretanto. Deve persistir no propósito de reverter uma tendência secular, reduzindo a engorda de bois em regime extensivo. Este propósito está em perfeita consonância com a necessidade de preservar não só a floresta amazônica como tambem conter o excesso de pastagens degradadas. O mundo todo acabará por perceber que o excessivo transporte de mercadorias baratas (grãos) não é conveniente para ninguém porque acabará pressionando o uso eficiente da terra, da energia e dos combustíveis; todos fatores igualmente limitados.
Por mais anacrônica que possa parecer a exportação de “boi em pé”, anunciada ultimamente, ela tem uma boa justificativa: ao invés de exportar um boi gordo de dezesseis arrobas para ser desmanchado nos países industrializados e emergentes, são exportados garrotes de até dez arrobas para serem confinados nos paises de destino. O Brasil já tem tradição na criação de linhagens zebuína e industrial (Simental) que confere ao país a posse de uma tecnologia especial. Acresce o fato de que “criar gado é mais fácil do que engordar, pois ocupa espaço menor”. Ocupando menos da metade da área degradada é possível exportar garrotes selecionados, de alta qualidade e precoces, se os preços justificarem.
A engorda de bois vai ceder, inexoravelmente, lugar para engorda de outros animais como frango e porco, que têm taxas de conversão melhores. Um mundo com dez bilhões de habitantes não terá terra disponível para permitir sequer o consumo médio de dez quilos de carne bovina por habitante / ano, que é uma insignificância. Para conseguir este feito seriam necessários mais de cinco bilhões de hectares, coisa que o mundo definitivamente não tem. Ruminantes estão condenados como fontes de alimentos protéicos. A tecnologia genética apenas poderá retardar este acontecimento, o que garante certo conforto. Entretanto, a tecnologia recente da biogenética pode vir a revolucionar totalmente este quadro com a produção de alimentos modificados geneticamente.
Vender garrotes “raçados” (industriais) é uma alternativa mais promissora do que vender bois gordos em regime extensivo. As novas tecnologias da genética oferecem oportunidades melhores de abreviar o tempo de produção de carne de animais precoces, entre dois e três anos. Segue uma tendência inevitável no longo prazo que se relaciona com a utilização de ruminantes na produção de alimentos protéicos. As áreas disponíveis para cria de gado sofrerão no futuro uma forte concorrência por parte de outras atividades mais eficientes do uso da terra. A terra também é um fator limitante, tanto quanto petróleo.
ENTENDENDO A LÓGICA DO BOIADEIRO
Para ilustrar toda construção teórica apresentada até aqui vamos contar a história de dois boiadeiros: o Zecamâncio e o Joaquim Novato, os dois muito “seguros”, “ridicos” até, bem dizer, “miseráveis”. Era assim que pensava o Joaquim Novato: “a melhor forma de guardar milho barato é em sacos de couro de porco vivo”. Toda vez que anunciava uma seca prolongada o Joaquim Novato comprava bezerros com medo dos pastos secarem e a carne baixar de preço (isso mesmo!). Comprava milho barato do Zecamâncio para tratar dos bezerros, ajudando “no cocho”, para eles não perderem peso no pasto seco, “macega” pura. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, o capim brotava e os pastos voltavam. Nesta ocasião, depois de alguns anos, o preço da carne subia (assim mesmo!) e os donos de terra procuravam garrotes e bois magros para engordar. Era só questão de tempo e paciência: esperar era o melhor remédio. Muito religioso, o Joaquim Novato acreditava na predição bíblica dos “sete anos de vacas magras e sete anos de vacas gordas”. Vendia os bezerros, já garrotes ou bois magros com lucro e emprestava o dinheiro a juros, era agiota tambem. A lógica do boiadeiro é a seguinte: “comprar de quem quer vender e vender para quem quer comprar”, uma lógica que enriqueceu muita gente. Sabe, por experiência, que um garrote vira boi em dois anos: no primeiro, vira boi magro e, no segundo, vira boi gordo. Com a venda do boi gordo poderia comprar dois garrotes: Um pagava o capital inicial e o outro era um “lucro biológico” de 50% ao ano, ou seja, um garrote dobra de valor em dois anos. O crescimento exponencial de 30% em um ano significa dobrar em dois anos e meio. Em termos de rendimento do capital significa um lucro anual de 25% ao ano (maior do que a “Selic”), pois tinha que repartir o lucro com o dono das terras.“ Alem disso podia contar com o lucro especulativo de comprar no período de vacas magras, para vender no período de vacas gordas. Qual era o segredo da lógica do Joaquim Novato? A resposta é simples: durante o período em que mantinha o garrote, estava ”guardando milho barato em sacos de couro de boi vivo”. Ele sabe que, se a seca prolonga, os outros vão desocupar os pastos para que o gado não emagreça. Primeiro vendem os bois gordos, depois os garrotes e as matrizes. Quando os pastos voltam, o Joaquim pode criar o dobro de garrotes na mesma área onde antes engordava bois com peso acima de 16 arrobas.
Em 1949, quando a revista “Conjuntura econômica” iniciou a divulgação do índice de preços fizemos o acompanhamento dos preços agrícolas deflacionados durante longo período e chegamos à conclusão de que muitos produtos apresentavam variação cíclica ao longo dos anos, entre os quais o preço do boi e da carne, que mostravam um ciclo característico de sete anos. Milho e porco tinham ciclos menores, de três anos, mas em fases opostas: quando o milho estava no máximo, o porco estava no mínimo. Referência sobre estes ciclos pode ser encontrada na publicação “Preços Agrícolas” da ESALQ (Escola Superior de Agronomia Luiz de Queirós). História semelhante a que contamos, pode ser encontrado no livro “Por Dentro do Redemunho”, Editora Scortecci, 1995, São Paulo, do autor destas notas.
PREVISÕES CATASTRÓFICAS
A necessidade da obtenção de alimentos protéicos mais seguros é tão premente que o preço dos grãos acaba subindo mais depressa do que o preço da própria carne (boi, frango e porco). A globalização da economia privilegia bens tecnológicos que podem ser produzidos em qualquer lugar do mundo em detrimento da produção de bens fundamentais para a vida, como alimentos, energia e combustíveis. Estes terão que ser produzidos mais junto à origem para evitar transportes. Esta é a razão que leva ao procedimento irracional do transporte de matérias primas por todo o mundo que, pressionando o uso de combustível no transporte, este acaba subindo de preço em detrimento da energia necessária para fins vitais, como aquecimento de residências e a própria produção de alimentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário