terça-feira, 17 de agosto de 2010

COMPETIÇÃO x COOPERAÇÃO

Os choques no preço do petróleo abrem um leque de oportunidades de cooperação espontânea, ímpar na história dos países em desenvolvimento. No artigo “Aspectos atuais da produção energética”, de 1975, já ponderávamos:
As novas condições impostas à economia do país, depois da elevação dos preços do petróleo, vêm despertando um interesse pelos assuntos energéticos que, antes, tinha estado latente e restrito aos setores especializados.
Se for certo que, em curto prazo, alguns setores como o dos transportes, continuem sofrendo severa restrição parece claro que, em longo prazo, o país saiu lucrando com a “crise dos combustíveis”: Em primeiro lugar, porque o setor energético foi amplamente beneficiado com a súbita valorização da energia que pode ser produzida por outras fontes, como as de origem hidráulica, das quais o país possui amplos potenciais disponíveis; em segundo, porque foi estimulado a investir na prospecção de recursos petrolíferos próprios, o que vai certamente garantir um futuro mais sólido, como livra o país de uma dependência incômoda.
Conquanto não sejam esperadas alterações substanciais nos rumos da política energética, cujo acerto ficou definitivamente comprovado com a crise dos combustíveis, há um interesse geral em conhecer pormenores de uma “crise” que afeta a todos indistintamente e algumas questões, que dela são derivadas, merecem ser debatidas:
• Como explicar, por exemplo, a afirmação de que a economia do país tenha sido “apenas parcialmente atingida pela crise dos combustíveis?”.
• Não parece que a energia, sobre as mais distintas formas ou origens, se tornou subitamente valiosa com a crise dos combustíveis?
• Não é de se esperar que o país, ao utilizar basicamente fontes hidráulicas na geração de energia elétrica, tenha ganhado um poder de competição na produção de bens industriais, especialmente naqueles cuja produção é intensiva em energia elétrica?
Agora em 2005, com o novo choque do petróleo, as mesmas condições se repetem.
No seu trabalho premiado “Energia para o desenvolvimento” de 1980, o professor José Goldenberg apontava:
“Os países em desenvolvimento não deveriam trilhar os mesmos caminhos de desenvolvimento do Norte, mas buscar novas direções e assumir os riscos da inovação em áreas especialmente promissoras”. “O sucesso do Brasil na produção de aço baseado no carvão vegetal mostra que é possível encontrar tecnologias avançadas que dêem amplo apoio às metas do desenvolvimento. A tecnologia é bem adequada aos recursos de muitos países ricos em biomassa e pobres em combustíveis fosseis”.
A disponibilidade de terras, subtilizada com a engorda de bois em regime extensivo, oferece enorme possibilidade de cooperação espontânea entre países em desenvolvimento, no desenvolvimento conjunto de alternativas mais promissoras: produção de combustíveis derivados da cana e de florestas cultivadas; produção de carne localmente; produção de aço baseado em carvão vegetal; produção sazonal de comodities metálicas de alto valor agregado (alumínio, estanho, níquel, zinco). Estas são alternativas muito mais promissoras do que a simples utilização de recursos naturais na criação extensiva de bovinos.
Os argumentos de “utilização mais eficiente da terra” e “redução do transporte de mercadorias baratas” pode parecer a alguns a expressão de um desejo de que a última etapa da globalização no setor primário reverta em benefício para países em desenvolvimento. Mas, a globalização é um fenômeno irreversível. Já está acontecendo no setor primário, por iniciativa dos países em desenvolvimento, ao tomarem decisões por sua própria conta. O Programa do álcool brasileiro é um bom exemplo. A globalização não é uma estratégia imposta pelos países industrializados para continuar colonizando países em desenvolvimento. Pelo contrário, ocorreu espontaneamente a revelia dos governos dos países industrializados e a despeito das ideologias, crenças e religiões. A cooperação de empresas transnacionais com os países em desenvolvimento propiciou enormes benefícios para ambas as partes com o que os países em desenvolvimento puderam crescer mais. Nada vai impedir que países em desenvolvimento cooperem entre si, espontaneamente, na busca de suas alternativas mais promissoras, a exemplo do ocorrido no leste Asiático. Países em desenvolvimento já têm suas próprias empresas transnacionais, estatais ou não (Petrobrás, Vale, Gerdau, etc., para citar as mais próximas), aceitando o processo de globalização.
A enorme diversidade dos países em desenvolvimento, cada um com suas especificidades, constitui o ingrediente básico para a cooperação espontânea, caminho natural dos novos rumos da globalização da economia. Assim como não é conveniente para os países Asiáticos a formação de blocos, tambem não interessa aos demais países em desenvolvimento. Os blocos interessam mais aos países semelhantes que desejam competir em lugar de cooperar.
Para haver competição é preciso haver similaridade entre adversários (países industrializados) e objetivos coincidentes (venda de produtos tecnológicos), fato comprovado pela experiência das guerras destrutivas do século passado em busca de mercado para os países conflitantes. A experiência mostra tambem a existência de uns poucos países similares e uma grande quantidade de países diferentes, o que quer dizer: geralmente, existem mais formas de ser diferente do que semelhante. A competição realçou as diferenças. Mas, como podem os países se tornar mais diferentes ainda? A resposta é simples: tornando-se especialistas. A especialização dos países certamente acompanhará a especialização ocorrida entre indivíduos no interior de uma sociedade, como bem demonstra a experiência de cooperação dos países industrializados com o Leste Asiático. A extrema especialização tornará cada país tão singular e único que em vez da competição haverá cooperação. Em alguns países em desenvolvimento como o Brasil, a cooperação ocorreu na década de 50, no setor automotivo. Nos dois casos citados os benefícios são evidentes para ambos os participantes.
Tornar-se igual exige esforço competitivo para desenvolver idéias inovadoras. Entretanto, a cooperação atual e passada é um desmentido à convicção de que só a confrontação egoísta e voraz motiva os países para a produtividade. Tornando-se especialista, tudo aquilo de que um país necessita encontrará no mercado, vendendo o seu produto, especial e único, o qual será o complemento de outros. O mercado é neutro: não impõe condições. A ida ao mercado é uma decisão interna de cada um.
O sistema de produção não é mais constituído por uma cúpula restrita e uma imensa massa indiferenciada de países consumidores dos produtos de países industrializados do tempo subseqüente à revolução industrial. As especializações se distribuem completamente por ampla gama de diversidade que não permite mais o antagonismo mortal das guerras de conquista. Núcleos familiares latifundiários e auto-suficientes explodiram diante da urbanização e industrialização crescentes, levando os países às mais variadas e estranhas composições e engajamentos, destruindo os interesses de pequenos grupos dominantes. Afastado o perigo das guerras destrutivas e da explosão populacional os países não necessitam mais ficarem confinados dentro dos estreitos limites do nacionalismo e auto-suficiência. A cooperação exige a complementação das aptidões de cada participante. Quanto mais diferentes, mais chance terão de se complementarem. O próprio contato entre países de crenças e ideologias treina-os para autonomia e cooperação e os predispõem para a aquisição de uma maior cultura, superior e universalizadora, sem que precisem abdicar de suas próprias. A variedade de países e suas qualidades específicas tornarão a competição sem efeito, senão impossível. A cooperação é um estágio superior que permitirá a humanidade alcançar um nível maior de operacionalidade que foi privilégio de uns poucos grupos de elite. Mas, não é imprescindível que precisem abrir mão de sua cultura própria.
O relacionamento entre países guarda algumas semelhanças com os sistemas físicos. Nos sistemas fechados a ”entropia” é sempre crescente, mostrando uma nítida tendência para a uniformidade quando o estado de equilíbrio é atingido (temperatura constante de um gás, por exemplo). Será que podemos afirmar que a “sinergia” tambem cresce no relacionamento de países em cooperação? A princípio, grandes diferenças entre países proporcionam os maiores ganhos sinérgicos com a cooperação. À medida que as carências internas são eliminadas os ganhos se tornam menores até se tornarem nulos. Os dois lados têm a ganhar com as trocas enquanto a cooperação prevalecer. É provável que os participantes se tornem mais semelhantes, não podemos dizer com certeza. Mas, como os dois lados ganham com a cooperação, podemos dizer, certamente, que estarão no final em um nível superior ao dos outros países que não cooperam. Acresce dizer tambem que a presença de humanos no circuito altera as condições de isolamento, tornando as relações entre países um sistema aberto. O próprio contato dos participantes em estágio próximo treina-os para maior autonomia e cooperação, suprindo a dependência, fixações de auto-suficiência e o clima de isolamento característico das relações tradicionais. Países que buscam a auto-suficiência não querem colaborar, pois não têm o que oferecer como moeda de troca. Procuram, sim, competir, através de regras protecionistas, para impor a outros países as condições prevalecentes até a segunda guerra mundial.
Após décadas de baixa persistente no preço das comodities os países industrializados agora querem retornar ao antigo posto de produtores desses bens, como se isso fosse possível. Todos os países ameaçam impor restrições à livre circulação de alimentos como uma recaída aos velhos processos de competição de outrora, hoje sepultados pela crescente colaboração entre países das mais diferentes sistemas políticos, crenças e ideologias. A cooperação se estabelece sem pressões quando as mercadorias circulam livremente. Somente as trocas voluntárias serão capazes de restabelecer o equilíbrio em curto período, dado o estímulo que os altos preços de agora oferecem aos reais produtores: os países em desenvolvimento. Os países industrializados não podem retroceder aos processos primários de produção de comodities gastadores de energia. A produção de etanol a partir do milho evidencia isso claramente: tem balanço energético quase nulo. Corre-se o risco de consumir mais do que produz em termos de energia, como acontece no processo experimental de fusão nuclear.
Exemplo de novas tecnologias:
• Aproveitamento de combustíveis fósseis não agressivos ao meio ambiente.
• Transformação da celulose em combustível líquido ou gasoso.
• Um processo mais eficiente de transformação do calor em trabalho, do qual não escapa nem os futuros processos de fusão nuclear.

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