Suponhamos o sistema elétrico da região Sudeste Sul, com seu “estoque de energia potencial” conhecido. Teoricamente corresponde a somatória da energia potencial de cada reservatório (produto do volume pelo vetor das altitudes).
Assim como o acréscimo de um reservatório simples (sem unidade geradora) produz efeitos em usinas de jusante, o acréscimo de uma usina de fio d’água (sem reservatório) recebe efeitos de reservatórios de montante. Nos dois casos a energia potencial da bacia hidrográfica se modifica. Se o reservatório e usina de fio d’água do exemplo didático constituir a mesma usina, o estoque de energia se modifica devido a três efeitos:
• Contribuição individual da própria usina acrescentada;
• Contribuição individual da altura de cada usina de jusante em relação ao volume do reservatório novo;
• Contribuição individual de cada reservatório das usinas de montante em relação à altura da represa nova.
Parece um jogo de palavras, mas os três efeitos sobre o aumento do estoque de energia podem ser assim sintetizados:
1. Efeito localizado: energia potencial igual ao produto simples da altura pelo volume.
2. Efeito do novo reservatório: energia potencial igual ao produto do volume do reservatório pela somatória das alturas das usinas de jusante.
3. Efeito da nova altura: energia potencial igual ao produto da altura pela somatória dos volumes dos reservatórios das usinas de montante.
É claro que este constitui um artifício didático para mostrar como o efeito isolado do componente de uma usina afeta as demais usinas constituintes de toda a bacia hidrográfica. Na realidade, quando o sistema já está constituído e vamos calcular o “estoque total de energia potencial” de todo o sistema, os efeitos 2 e 3 são iguais e, para não incorrermos no erro de contar duas vezes a mesma grandeza, devemos optar por um processo ou outro. Ou seja, o benefício global líquido cedido pelos reservatórios de montante sobre as usinas de jusante é igual ao benefício global líquido recebido pelas usinas de jusante dos reservatórios de montante.
O cálculo do “estoque de energia potencial” envolve o conceito de dois componentes abstratos da energia potencial: “volume a montante” (relativo a reservatórios) e “altura a jusante” (relativa à altura de queda), designados por maiúsculas, V e H, respectivamente.
Para calcular o efeito isolado de cada um destes componentes, vamos designar por minúsculas, v e h, respectivamente, as grandezas locais, próprias de cada usina que podem ser definidos como segue:
• Volume a montante V é a soma dos volumes individuais v, de “todos” reservatórios de cada potencial situado acima do potencial recém-instalado.
• Altura à jusante H é a somatória das alturas individuais h, de “alguns” potenciais situados abaixo (à jusante) da barragem recém-instalada (valor teórico, altitude).
Toda vez que uma nova usina é incluída no sistema o estoque de energia cresce de vH ou hV. Ainda que expressões como montante e jusante sejam auto-explicativas convém frisar, a bem da clareza, que o conjunto dos potenciais constitui uma rede totalmente interligada fisicamente pelo fluxo da corrente da água, em formato de árvore, tal quais os ramos de uma árvore, propriamente dita. Assim, por exemplo, a usina de Barra Bonita não está a jusante de Furnas, embora se situe abaixo. Reservatórios à montante, não precisam pertencer ao mesmo rio, embora considerados à montante. Exemplo: ambos os reservatórios de Furnas e Itumbiara concorrem para o aumento do volume a montante de Jupiá, conquanto se situem em rios diferentes. Para evitar ambigüidades, o termo montante foi substituído por “todos situados acima”, enquanto o termo “jusante” foi substituído por “alguns situados abaixo”.
O que realmente conta na escolha de um bom empreendimento hidroelétrico é a altura, contida na expressão H. n /100, que é a medida da potência por unidade de vazão ou da energia por unidade de volume isto é:
Potência = (H. n /100).vazão
Energia = (H. n /100). volume
Onde H é a altura útil em metros, e n o rendimento do conjunto.
O mesmo fator H. n /100 que determina o custo do equipamento, determina tambem o custo de obras civis (vertedores, barragem e reservatório) e tambem os custos sócio-ambientais.
EFEITO ALTURA
A maior parte dos potenciais já foi utilizada. Passaram pelo processo de seleção natural e os bons aproveitamentos hoje constituem raridade. O que resta por explorar é potencial de fio d’água, de baixa queda e situado em regiões de planície de baixa altitude junto a foz dos rios. São incapazes de concorrer para a constituição de estoques, tanto pela baixa queda quanto pela pequena altitude da planície em que estão situados.
Hidroelétricas de grande porte altamente concentradoras de energia são encontradas em extensas regiões planas do rio Paraná e grandes potenciais tambem ocorrem na planície Amazônica. Na maioria são usinas de grandes vazões e pequenas quedas, lentas e volumosas, dispendiosas em todos os aspectos: equipamentos, barragens e vertedores. Por se situarem mais perto da foz dos grandes rios não concorrem para a formação de estoques, seja pelo volume reduzido dos reservatórios seja pela baixa altitude em que se situam. Por todas estas razões são os últimos a serem aproveitados. Na planície alagada da Amazônia as condições pioram devido ao regime sazonal de chuvas acentuado. É fácil identificar os empreendimentos que não deram certo: basta notar o que eles têm em comum. Por exemplo: Ilha Solteira, Jupiá, Porto Primavera, Balbina, Samuel, Porto Colômbia (perto da cidade Planura), Taquarussu e Rosana. Como usinas de grande reservatório e produtoras de pouca energia podem ser citadas: Balbina, Samuel, Porto Colômbia, Porto Primavera.
Tendo em vista as vazões (pelo menos cinco vezes maiores do que a vazão do Rio Paraná), seus reservatórios precisariam ter volumes proporcionalmente maiores para que a regularização anual se tornasse eficaz. Ora, na Região Amazônica ocorre justamente o contrário: a pequena altura da maioria dos potenciais alaga muito mais e são muito mais prejudiciais ao meio ambiente, por se situarem em região de floresta. No entanto, os volumes são reduzidos. Os reservatórios são rasos e extensos devido ao relevo.
A altura total — que corresponde à potência por unidade de vazão — expressa a eficácia do campo gravitacional. Trocando em miúdos: o mesmo fator n.h/100 = potência/vazão — presente na fórmula da Potencia =Q.h.n /100 Mw — é o responsável, ao mesmo tempo, pelo custo, do ponto de vista econômico e ambiental. Esta é a principal razão pela qual os potenciais de baixa queda são os mais dispendiosos sob todos os aspectos. Por outro lado, potenciais de planície são técnica e ambientalmente incapazes de regularizar anualmente as grandes vazões dos rios amazônicos. Este fato decorre dos volumes reduzidos que os reservatórios são capazes de armazenar perante as grandes vazões, pelo menos cinco vezes maiores do que os rios do Sudeste. Reservatórios rasos não têm volume suficiente para reter o grande volume de águas no curto período em que duram as cheias, apesar de alagarem mais do que os rios do Sudeste. Quando escoados o pequeno volume retido não tem qualquer efeito regularizador sobre as vazões dos rios amazônicos.
A redução intencional da altura foi a providência natural para se obter o licenciamento ambiental das usinas do Madeira e Belo Monte. Com isso, tanto a área alagada como o volume dos reservatórios se tornaram desprezíveis. Senão vejamos:
Diminuição na altura total da barragem produz, ao mesmo tempo, redução proporcional da superfície de alagamento e da altura útil, cujo produto é responsável pelo volume do reservatório, expresso aproximadamente por:
Volume = altura útil X superfície alagada
Como: Altura útil = C¹xAltura total
E: Superfície alagada = C²x Altura total
Segue-se: Volume ~ C¹x C² x (altura total)²
Pequenos desníveis criados para geração de energia elétrica implicam em grandes reservatórios, dispendiosos e agressivos ao meio ambiente. Do ponto de vista econômico, a transformação se opera em regime de baixas velocidades, o que implica maior custo dos equipamentos, turbina e gerador e maiores custos de barragens e reservatórios.
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